Com muita frequência recebemos contato de pessoas com o interesse em adquirir um instrumento musical construído no ateliê, o que nos alegra bastante. No entanto, com o passar dos anos constatamos uma crescente busca pelos nossos instrumentos de um público que não imaginamos que um dia iríamos impactar: de músicos iniciantes.
Isso nos motivou a escrever este guia com o intuito de auxiliar aqueles que estão em busca de seu primeiro instrumento, inclusive tentando "desmistificar mitos e lendas" bastante comuns na hora de adquirir um primeiro instrumento. Vamos lá!
1. QUAL A SUA IDADE E O SEU TAMANHO?
Pode parecer bobagem, mas a resposta para esta pergunta pode fazer uma enorme diferença na vida daquela pessoa que busca iniciar no estudo do violão.
Uma preocupação bastante comum no ensino do violino, onde a educação formal acaba se tornando a principal aliada dos educadores que já estão acostumados em se preocupar com a ergonomia do instrumento de seus alunos, ou seja, recomendar o tamanho do instrumento mais adequado com o perfil físico e idade do estudante.
Este tipo de preocupação é, muitas vezes, ignorado em instrumentos de cordas dedilhadas, especialmente quando os estudos são iniciados de forma autodidata/informal. A busca por um instrumento adequado ao tamanho do estudante é fundamental para que o mesmo consiga romper a barreira inicial de se preocupar em concatenar movimentos da forma mais confortável possível.
Do mesmo modo que temos dificuldade em caminhar quando calçamos um sapato menor que o tamanho dos nossos pés, tocar um instrumento muito grande quando se é pequeno será desafiador e, muitas vezes, desestimulante. Por essa razão, aquele velho instrumento que pertenceu ao seu avô pode não ser o mais adequado para o seu filho estudar "de fato" violão.
Pode ser interessante para ter um primeiro contato com as cordas, descobrir sons, mas oferecerá limitações e barreiras que um violão de tamanho adequado à sua idade poderá oferecer.
Sendo assim, se o instrumento musical é destinado a uma criança, leve em consideração o seu tamanho e idade, e adquira o instrumento mais adequado:
Já os instrumentos de tamanho convencional 4/4 são ideais para todas as idades.
2. VIOLÃO DE AÇO OU NYLON?
Esta questão é daquelas que geram muitas polêmicas. Sem dúvidas, a maioria dos educadores pregam que o violão mais adequado para os estudantes são aqueles equipados com cordas de nylon, por "proporcionarem maior conforto e menos tensão".
No entanto, esta afirmação torna a discussão rasa e ignora as inúmeras variantes que fazem deste mantra um dos "mitos" na escolha do primeiro instrumento. Antes de tudo, é importante levarmos em consideração que, apesar de chamarmos de "violão" ambos os instrumentos e terem a mesma configuração de afinação, violões de nylon e violões de aço são instrumentos distintos, com estruturas completamente distintas.
Isso quer dizer que a maneira de tocar, a empunhadura do instrumento, a resposta dos ataques, projeção, etc, serão completamente diferentes. Ou seja, apesar de suas similaridades, caso o estudante tenha o desejo de explorar sonoridades e estudar um repertório como blues, rock, country, soul, fingerstyle, entre outros, o ideal será iniciar os seus estudos em um instrumento de aço, independente qual seja o modelo (Gipsy, Auditorium, Grand Auditorium, Jumbo, Dreadnought, etc) que pode ser definido de acordo com a evolução do estudante.
Caso o tema "a tensão do aço é maior que dos instrumentos de nylon" continue assombrando sua mente, é importante "exorcizarmos" de maneira racional e técnica.
O primeiro aspecto que precisamos levar em consideração é que, no universo de violões de aço e nylon, temos inúmeras "escolas de construção" que definiram caminhos para se fabricar os inúmeros modelos de violões que atualmente encontramos.
Isso quer dizer que, dentre os instrumentos de aço temos inúmeros modelos. E violões de nylon? Também! Guitarras flamencas, violões clássicos, Silent Guitars, violões GipsyJazz, violões brasileiros, entre outros. Cada um com suas características únicas.
Os clássicos geralmente construídos com escalas flat; já os instrumentos de aço, como os modelos auditorium, com escala de raio 12". Estas escolas (que são basicamente grupos de luthiers que desenvolveram trabalhos que contribuíram para a evolução dos instrumentos) influenciaram outros construtores e, também, a indústria de instrumentos musicais, que "replicam" os projetos clássicos e tornam estes modelos acessíveis ao grande público, em especial, os estudantes.
Quando levamos em consideração instrumentos dedicados para estudantes, estamos tratando destes últimos, os industrializados. Como são produzidos em larga escala, inevitavelmente terão que seguir alguns padrões para garantir sempre uma qualidade aceitável de acordo com as especificações de cada linha e, com isso, levará em consideração o que a maioria do público para aquele tipo de produto espera dele.
É neste aspecto que o mito "violões de nylon são mais confortáveis" nasce, pois é reforçado levando em consideração apenas instrumentos musicais de baixo custo, muitas vezes sem serem regulados para o uso e equipados com encordoamentos de tensão média de qualidade duvidosa.
Certa vez fizemos uma experiência numa escola de música em Blumenau com alunos iniciantes (grupo de 20 alunos, entre uma semana e dois meses de aula, sem prática anterior e em busca do primeiro instrumento): utilizamos um violão de aço regulado com cordas de aço (bronze) de tensão extra-leve (D´Addario EZ900) e um violão modelo clássico com cordas de nylon tensão normal (D´Addario EJ27N). Pedimos para que os alunos tocassem os dois instrumentos e elegessem o que se sentiam mais confortáveis para tocar. Os alunos que tinham predileção por estilos pop/rock, hard rock, blues, sertanejo, e suas variantes escolheram o instrumento de aço (em torno de 12 alunos, sendo todos com menor tempo de estudo e contato com o violão). Estudantes que estavam executando suas primeiras peças eruditas, e vertentes de música regional e brasileira, privilegiaram o violão de nylon (8 alunos).
Convido os professores a realizarem o mesmo tipo de experiência, se possível, com instrumentos da escola devidamente regulados com encordoamento tensão leve ou extra-leve para os estudantes iniciantes. Com os avanços musicais - e percebendo a necessidade -, o próprio estudante poderá alterar o tipo de tensão das cordas que se adapte melhor ao seu gosto e forma de tocar.
3. SELEÇÃO DE MADEIRAS:
Outro tema polêmico que gera muita discussão em grupos de redes sociais permeado de lendas e mitos, a "sonoridade de determinadas espécies de madeiras" é fundamentada na prática da luteria clássica.
No entanto, os entusiastas, músicos, luthiers "práticos" e leigos levam em consideração apenas o que chamamos de "referência basal", algo que podemos tratar mais adiante.
Como ocorre com os frutos, a qualidade da madeira - que é basicamente o lenho de uma árvore/vegetal - dependerá de inúmeros fatores, incluindo as características do solo e do ambiente em que se encontra, o terroir, que nada mais é do que as características de geografia, geologia e do clima de um determinado lugar.
Isso quer dizer que dentro do universo de "abetos/pinhos" teremos inúmeras qualidades distintas de resistência, flexibilidade e de estética, o que irá interferir bastante no resultado sonoro do instrumento, ou seja, em uma única espécie poderemos ter uma enorme variedade de qualidades distintas e, consequentemente, resultados sonoros e de durabilidade distintos.
Este é apenas um dos inúmeros aspectos que fazem um instrumento de autor ter uma resposta tão diferente de um instrumento de fábrica, por exemplo, pois a seleção da matéria-prima, adquirida em menor quantidade pelos artesãos, leva em consideração o mais alto grau em estética, elasticidade e resistência, pagando mais caro por essas qualidades acima da média.
Mas, de forma prática, o que isso interfere na escolha de um instrumento musical para iniciantes?
Sendo bastante direto, instrumentos voltados para a iniciação musical, em especial os infantis, são confeccionados na maioria das vezes com laminados. Laminados possuem apenas uma categoria de seleção capaz de ser efetivamente considerada em aspectos comparativos: estética.
Afinal, os aspectos de qualidades mecânicas (resistência e elasticidade) não serão tão diferentes de uma peça para a outra, levando em consideração o padrão estabelecido pelo mercado neste segmento. Isso quer dizer que levar em consideração a "seleção de madeiras" (no caso, laminados) para a aquisição de um instrumento para iniciante é uma perda de tempo.
Via de regra, professores de música dirão que instrumentos com tampos de abeto terão uma sonoridade mais definida e instrumentos com tampo de cedro terão maior projeção. Caso estejamos tratando de instrumentos com tampo maciço, é forçoso dizer que podemos definir genericamente deste modo. No entanto, o assunto é mais complexo do que apresentam e, de forma prática, aspectos de construção, projeto e acabamento poderão se tornar mais decisivos que a seleção de madeiras no resultado sonoro final de um instrumento.
Voltando para os instrumentos de entrada, um tampo laminado não respeitará necessariamente esta "regra" propagada por muitos professores em termos sonoros, independentemente se é utilizada uma lâmina de cedro ou de abeto, ou outra espécie de madeira.
Alguns podem soar anasalados, outros bem equilibrados. O resultado sonoro estará associado ao projeto e, por essa razão, vale pesquisar bastante, conferir análises e reviews. Se existem vantagens em instrumentos laminados, são essas: são menos suscetíveis a mudanças climáticas (alteração da umidade relativa do ar é o pesadelo de instrumentos de alto padrão construídos com madeira maciça); qualidade padronizada.
Leve em consideração o gosto pessoal de quem irá receber este novo violão, se o instrumento é confortável e se é bem construído - isso vale para instrumentos de entrada infantis e 4/4.
De acordo com os avanços nos estudos, em especial para estudantes de violão erudito, a exigência por instrumentos com mais recursos em termos de respostas de ataque, de dinâmica, etc, fará com que o músico necessite trocar o instrumento por um melhor.
Neste caso, a tendência natural é a busca por instrumentos com tampo maciço. Nada impede do estudante iniciar seus estudos com um instrumento com tampo maciço - aliás, é altamente recomendável, caso possua recursos para investir. No entanto, será um custo adicional que deverá ser levado em consideração no momento da compra.
4. VIOLÃO DE FÁBRICA X VIOLÃO "DE LUTHIER":
Em outro artigo explicamos diferenças entre violões de fábrica e o que costumam chamar no Brasil de instrumentos "de luthier", que podem ser instrumentos de ateliê/oficina e/ou de autor.
Evidentemente, instrumentos de oficina e de autor são, via de regra, construídos levando em consideração um alto padrão de qualidade em todos os aspectos.
No entanto, instrumentos de fábrica possuem a vantagem de produzirem diversos padrões de qualidade e em maior escala que oficinas, o que torna seus produtos mais acessíveis, especialmente quando tratamos de instrumentos de entrada.
Como a maioria do público que busca instrumentos musicais para a iniciação musical preferem uma boa relação custo-benefício, o mais adequado será sempre observar com carinho os instrumentos de entrada de uma boa marca.
Afinal, dependendo do nível técnico, o estudante não irá se beneficiar dos recursos que um instrumento de categoria superior tem a oferecer e, caso não exista uma meta de evolução nos estudos em médio prazo - como seria a de um estudante de violão erudito, por exemplo -, o investimento em um violão de oficina (vamos ignorar o de autor, pois este exige maior investimento e maturidade de um músico para o adquirir) acaba não se justificando.
5. QUEM VÊ PREÇO NÃO VÊ QUALIDADE:
Independente qual seja o produto ou serviço que estamos pesquisando, encontramos muitas vezes inúmeras opções com preços variados. Não são raras as vezes que balizamos de acordo com o preço os produtos que estamos pesquisando.
Existem aqueles que preferem o de menor preço, outros que preferem evitar os mais baratos.
Em suma, "preço" tem um peso importante em nossas decisões de compra, mas nem sempre estão associados à qualidade (ou a falta dela).
Buscar informações - e principalmente "filtrá-las" - é o melhor caminho para se certificar que a balança entre o preço que está se pagando e a qualidade recebida pelo produto estão dentro das expectativas do comprador.
Evidentemente, opiniões encontradas em grupos de redes sociais carregarão muita carga emocional e menos racionalidade.
Para muitos, marcas de instrumentos musicais são escolhidas como times de futebol: muita paixão e loucura sem, no entanto, ter uma convivência de fato com aquilo que comentam - e discutem.
No entanto, existem muitas opiniões de proprietários, experiências relatadas sobre o pós-venda, assistência técnica, avaliações auditadas em lojas online, análises e reviews que podem servir de "termômetro" na difícil tarefa de confirmar se aquelas opções são, de fato, interessantes.
Muitas vezes vale o esforço para confirmar se aquela "pechincha" realmente vale à pena, ou se gastar alguns reais a mais em uma outra opção nos livrará de apuros.
6. TROQUE AS CORDAS:
Chega a ser curioso o fato de poucos tratarem deste assunto, mas as cordas são o principal ingrediente desta "receita de melhor instrumento para iniciantes". Afinal, se tirarmos as cordas, não há som; não há música!
Além disso, como dissemos anteriormente, a escolha das cordas irá definir não apenas a sonoridade, mas também influenciará no conforto, na presença ou não de brilho, equilíbrio, entonação, entre outros fatores.
Não menospreze este acessório: um bom conjunto de cordas tem um poder transformador em um instrumento musical.
Geralmente instrumentos de fábrica virão com uma regulagem média, com encordoamentos de tensão média - não raramente com qualidade duvidosa.
Isso porque o intuito é encaminhar o instrumento para as lojas em condições de ser tocado. Caberá ao músico - seja ele de nível iniciante ou avançado - escolher que tipo de regulagem e tensão das cordas serão adequados ao seu perfil.
Por essa razão, além de adquirir o instrumento, adquira um bom jogo de cordas para equipar o seu instrumento.
7. SEGURANÇA EM PRIMEIRO LUGAR!
Independentemente qual seja o valor material do seu instrumento, certifique-se que ele esteja seguro.
Adquira uma capa/bag ou um estojo/case para o seu instrumento musical, caso não venha acompanhado do acessório.
Também é bastante prático um suporte, que pode ser de parede ou de chão.
Muitos acidentes ocorrem dentro de residências e, dependendo do estrago, o custo para o conserto poderá ficar maior que o do próprio instrumento, inviabilizando completamente o serviço, salvo quando o instrumento possui grande valor sentimental.
Para evitar este tipo de situação, não arrisque! Invista em bons acessórios para conservação de seu instrumento.
Dica bônus:
Se você chegou até aqui, parabéns!
Um texto longo, mas escrito com o intuito de auxiliar você que deseja, de fato, escolher o seu primeiro instrumento musical.
Aproveito para sugerir que pesquise bastante as opções e, se possível, organize uma lista de pré-selecionados e, caso tenha alguma loja próxima de sua residência, teste os instrumentos para conferir se o violão "veste bem" e está adequado ao seu perfil físico.
Caso tenha alguma dúvida, poste nos comentários que tentaremos ajudar, ok?!
Desejamos muito sucesso em sua busca e nos seus estudos musicais!
Let´s Play, Folks!