Endorser ou endorsee? Eis a questão!
December 16, 2021
De músico a jornalista, a maioria das pessoas que utiliza a palavra em seu dia a dia não tem certeza de que sua terminação esteja correta. Não erre mais: aprenda já!

A mais polêmica imprecisão de termo que se cristalizou no mercado de instrumentos musicais é relacionada ao endosso (endorsement). Afinal, o que é endorser? O que é endorsee?
Ao serem questionados, muitos irão dizer: “Mas que pergunta! Endorsee é músico patrocinado por uma marca”. Pois bem, enganou-se. Quando tratamos de endorsement na publicidade, ‘endosso’ se refere a um nível de envolvimento profundo com determinado produto ou serviço.
Para entender, vamos falar um pouco de publicidade e psicologia. Grant McCracken, um rapaz bem inteligente, PH.D. em Antropologia Cultural, afirma que existe algo que podemos chamar de ‘mundo culturalmente constituído’, onde habitam as categorias e os princípios culturais. Para ele, categorias são coordenadas para o significado das coisas, onde dividimos a sociedade em distinções de classe, status, gênero, idade e ocupação. Elas também segmentam a relação tempo e espaço.
Por exemplo, quando afirmamos que lugar de criança é na escola, estamos levando em consideração diversas categorias culturais: idade (infância), ocupação (estudante), tempo (período de estudos, que difere do período de lazer) e espaço (escola).
É por isso que, nas propagandas, são utilizados atores (via de regra, desconhecidos) com características físicas e de status, de gênero, de idade etc. para representar o alvo (target) da campanha. Já os princípios culturais são as ideias e os valores intimamente ligados àquelas categorias.
E o que isso tem a ver com os produtos? Pois bem, quando determinado produto está associado a determinadas categorias culturais, inevitavelmente traz os princípios culturais intimamente associados a essas categorias.
É assim: quando temos um relógio masculino de alto padrão, inegavelmente tratamos de um produto com características menos ‘delicadas’ que um relógio feminino. Associamos esse produto a valores como ‘robustez’ ou ‘força’, intimamente conectados ao universo masculino; além de ser ‘sofisticado’, por se tratar de um produto de alto padrão dedicado a um público de classe alta.
Todos os produtos possuem categorias e princípios culturais que podem ser transferidos pela publicidade ou moda para os bens de consumo. Por isso, o endosso é uma das ferramentas que a publicidade utiliza como ‘atalho’ para que o consumidor compreenda de forma imediata ‘o que é’ aquele produto.
Portanto, só existe endosso quando existe transferência de significado do endorser (celebridade endossante) para o produto. Imagino que muitos devam ter saltado da cadeira e afirmado: “Mas isso está errado! São endorsees!”.
Na tradução literal, endorsee refere-se a ‘endossado’ e pode ser utilizado para designar a marca. De qualquer modo, muitos devem se questionar: “Eu apoio o músico! Eu endosso o trabalho dele! Não posso chamá-lo de endorsee?”.
Neste caso, é imperativo dizer que é possível pelo costume do mercado, mas não o correto, porque é o artista que endossa a marca; isso também implica que só artistas e profissionais com notoriedade são endorsers.
Endosso é a esfera de envolvimento mais íntima, onde o artista empresta sua imagem ao produto e o consumidor compreende que o produto está imbuído dos valores do músico, valores estes que ele também ‘compra’ ao adquirir o produto.
Em nosso segmento, destaco duas das mais expressivas e reais relações de endosso: Kiko Loureiro e Tagima (e olha que o músico endossa outra marca atualmente!), bem como Juninho Afram e Tagima. Quando as pessoas pensam em Tagima, lembram também de Kiko Loureiro e Juninho Afram na maior parte das vezes.
A Gibson e a Fender possuem o que chamo de ‘mitologia da marca’, com inúmeras celebridades endossantes que transformaram essas marcas nos maiores ícones da indústria musical.
Poderia não habitar a mente de Jimmy Hendrix a palavra ‘endorser’, mas ele se transformou em um dos principais nomes para a propagação da marca Fender em todo o mundo.
Neste ambiente, temos a figura do endorser, que transfere significados ao produto de uma determinada marca (endorsee), que serão, em outro momento, transferidos a quem comprar o produto. O músico serve como um ‘atalho’ para o consumidor compreender os valores que estão associados a determinada marca e, por essa razão, a escolha dos músicos endossantes precisa ser muito bem feita, levando-se em consideração o alinhamento do artista com a identidade da marca (typecasting), pois o erro pode gerar uma campanha desastrosa e muito dinheiro jogado fora.
Sandy X Zeca Pagodinho
Como exemplo negativo, destacamos a campanha da cerveja Devassa utilizando a imagem da Sandy como endorser/celebridade endossante. Segundo Augusto Cruz Neto, da agência Mood, o intuito era mostrar que ‘todo mundo tem um lado Devassa’, afinal, até a Sandy “pode beber cerveja, subir em cima da mesa e se divertir como qualquer pessoa num bar ou numa balada”.
No entanto, esta não foi a percepção do público. O resultado da surpreendente aparição de Sandy em uma campanha de cerveja fez com que a artista apresentasse declarações explicando suas razões. Uma delas, bastante polêmica, onde afirma que “cerveja realmente não é minha bebida preferida”, completando ainda com a antológica frase “ou todo mundo acha que a Xuxa usa Monange e que o Luciano Huck e a Angélica usam Niely Gold?”, que gerou muito desconforto entre as respectivas celebridades e as marcas endossadas.
Por outro lado, temos a Brahma utilizando o endosso de Zeca Pagodinho, com início polêmico pela troca da Nova Schin pela Brahma sendo representada na campanha “Amor de Verão”, na qual o músico confessa uma “aventura passageira” com outra marca, mas declara o seu amor verdadeiro à Brahma.
Convenhamos que o perfil de Zeca Pagodinho, reconhecido pelo grande público como músico boêmio, é perfeito para o endosso de cervejas. Esta foi a principal razão da disputa de sua imagem pelas duas cervejarias, que ganharam as páginas de diversos veículos de comunicação na época.
Apoio sim, endoserment não
Para saber se a relação é realmente de endosso, é necessário investigar se existiu transferência de significado daquilo que representa a marca para os músicos que sonham ser grandes artistas — visto que um nome consagrado tem uma gama de significados já cristalizada na mente do grande público, seu perfil, que não sofrerá influência da marca. E o grande jurado é o consumidor.
O mais correto seria chamar de músico ‘apoiado’ ou ‘patrocinado’, pois é quase nula a possibilidade de haver transferência de significado da marca para o ‘aspirante a artista’ e deste para o consumidor.
Mas, atenção, é possível ter relação de endosso quando um músico consagrado participa dos shows ou grava um fonograma com o artista aspirante, por exemplo. Nesses casos, o músico pode, efetivamente, ser chamado de endorsee, pois para o público do artista consagrado existiu a transferência de significado para o trabalho do aspirante.
Concluindo...
São poucas as empresas no setor que investem em campanhas capazes de criar o envolvimento artista/produto/consumidor, em que há efetivamente uma transferência de significados, como lançamentos de ‘séries assinadas’, entre outras. Por isso, seria mais adequado ser utilizado (como é adotado por algumas marcas internacionais do nosso segmento) o termo ‘cast de artistas’ para designar os ‘artistas patrocinados’ ou ‘apoiados’, visto que são raros os casos efetivos de endosso em nosso mercado.
"O artista empresta sua imagem ao produto e o consumidor compreende que o produto está imbuído dos valores do músico, valores estes que ele também ‘compra’ ao adquirir o produto”
Tudo está relacionado aos diversos níveis de envolvimento com determinado produto ou serviço: de maneira explícita (eu endosso este produto), de maneira implícita (eu uso este produto), de maneira imperativa (você deve usar este produto) e de modo presencial (onde o músico/celebridade é visto com o produto). Todos esses tipos de envolvimento geram resultados distintos na mente do consumidor.
Endorsers de peso:
Typecasting
Typecasting, na linguagem cinematográfica, se refere à escolha do cast de artistas levando em consideração um grupo de características em especial. Por exemplo, um ator será selecionado para um papel. O grupo responsável pela seleção do casting de artistas busca identificar aspectos marcantes da personalidade e no visual daquele intérprete para encontrar alguém mais adequado ao papel.
Sugestões de leitura
Cultura e consumo, de Grant McCracken. Editora Mauad, 208 páginas
Palavras-chave: Music Business, Carreira Artística, Gestão Musical
* Miguel De Laet é bacharel em música e especialista em publicidade pela Universidade de São Paulo (ECA/USP). Trabalha há mais de 20 anos com inteligência de mercado, pesquisa e desenvolvimento de produtos na indústria musical. É colunista da revista Música & Mercado, luthier e consultor de empresas do setor musical, tanto no Brasil como no exterior. Dos trabalhos desenvolvidos em sua carreira, podemos destacar a sua função em sala de aula como professor do primeiro curso de pós-graduação em Music Business do país na Universidade Anhembi Morumbi, formando profissionais de destaque no segmento; o trabalho como editor da revista Violão PRO; e sua atuação como gestor de projeto, auxiliando na elaboração do Plano de Internacionalização Setorial em um trabalho conjunto com a Anafima (Associação Nacional da Indústria Musical) e Apex-Brasil.
Ao serem questionados, muitos irão dizer: “Mas que pergunta! Endorsee é músico patrocinado por uma marca”. Pois bem, enganou-se. Quando tratamos de endorsement na publicidade, ‘endosso’ se refere a um nível de envolvimento profundo com determinado produto ou serviço.
Para entender, vamos falar um pouco de publicidade e psicologia. Grant McCracken, um rapaz bem inteligente, PH.D. em Antropologia Cultural, afirma que existe algo que podemos chamar de ‘mundo culturalmente constituído’, onde habitam as categorias e os princípios culturais. Para ele, categorias são coordenadas para o significado das coisas, onde dividimos a sociedade em distinções de classe, status, gênero, idade e ocupação. Elas também segmentam a relação tempo e espaço.
Por exemplo, quando afirmamos que lugar de criança é na escola, estamos levando em consideração diversas categorias culturais: idade (infância), ocupação (estudante), tempo (período de estudos, que difere do período de lazer) e espaço (escola).
É por isso que, nas propagandas, são utilizados atores (via de regra, desconhecidos) com características físicas e de status, de gênero, de idade etc. para representar o alvo (target) da campanha. Já os princípios culturais são as ideias e os valores intimamente ligados àquelas categorias.
E o que isso tem a ver com os produtos? Pois bem, quando determinado produto está associado a determinadas categorias culturais, inevitavelmente traz os princípios culturais intimamente associados a essas categorias.
É assim: quando temos um relógio masculino de alto padrão, inegavelmente tratamos de um produto com características menos ‘delicadas’ que um relógio feminino. Associamos esse produto a valores como ‘robustez’ ou ‘força’, intimamente conectados ao universo masculino; além de ser ‘sofisticado’, por se tratar de um produto de alto padrão dedicado a um público de classe alta.
Todos os produtos possuem categorias e princípios culturais que podem ser transferidos pela publicidade ou moda para os bens de consumo. Por isso, o endosso é uma das ferramentas que a publicidade utiliza como ‘atalho’ para que o consumidor compreenda de forma imediata ‘o que é’ aquele produto.
Portanto, só existe endosso quando existe transferência de significado do endorser (celebridade endossante) para o produto. Imagino que muitos devam ter saltado da cadeira e afirmado: “Mas isso está errado! São endorsees!”.
Na tradução literal, endorsee refere-se a ‘endossado’ e pode ser utilizado para designar a marca. De qualquer modo, muitos devem se questionar: “Eu apoio o músico! Eu endosso o trabalho dele! Não posso chamá-lo de endorsee?”.
Neste caso, é imperativo dizer que é possível pelo costume do mercado, mas não o correto, porque é o artista que endossa a marca; isso também implica que só artistas e profissionais com notoriedade são endorsers.
Endosso é a esfera de envolvimento mais íntima, onde o artista empresta sua imagem ao produto e o consumidor compreende que o produto está imbuído dos valores do músico, valores estes que ele também ‘compra’ ao adquirir o produto.
Em nosso segmento, destaco duas das mais expressivas e reais relações de endosso: Kiko Loureiro e Tagima (e olha que o músico endossa outra marca atualmente!), bem como Juninho Afram e Tagima. Quando as pessoas pensam em Tagima, lembram também de Kiko Loureiro e Juninho Afram na maior parte das vezes.
A Gibson e a Fender possuem o que chamo de ‘mitologia da marca’, com inúmeras celebridades endossantes que transformaram essas marcas nos maiores ícones da indústria musical.
Poderia não habitar a mente de Jimmy Hendrix a palavra ‘endorser’, mas ele se transformou em um dos principais nomes para a propagação da marca Fender em todo o mundo.
Neste ambiente, temos a figura do endorser, que transfere significados ao produto de uma determinada marca (endorsee), que serão, em outro momento, transferidos a quem comprar o produto. O músico serve como um ‘atalho’ para o consumidor compreender os valores que estão associados a determinada marca e, por essa razão, a escolha dos músicos endossantes precisa ser muito bem feita, levando-se em consideração o alinhamento do artista com a identidade da marca (typecasting), pois o erro pode gerar uma campanha desastrosa e muito dinheiro jogado fora.
Sandy X Zeca Pagodinho
Como exemplo negativo, destacamos a campanha da cerveja Devassa utilizando a imagem da Sandy como endorser/celebridade endossante. Segundo Augusto Cruz Neto, da agência Mood, o intuito era mostrar que ‘todo mundo tem um lado Devassa’, afinal, até a Sandy “pode beber cerveja, subir em cima da mesa e se divertir como qualquer pessoa num bar ou numa balada”.
No entanto, esta não foi a percepção do público. O resultado da surpreendente aparição de Sandy em uma campanha de cerveja fez com que a artista apresentasse declarações explicando suas razões. Uma delas, bastante polêmica, onde afirma que “cerveja realmente não é minha bebida preferida”, completando ainda com a antológica frase “ou todo mundo acha que a Xuxa usa Monange e que o Luciano Huck e a Angélica usam Niely Gold?”, que gerou muito desconforto entre as respectivas celebridades e as marcas endossadas.
Por outro lado, temos a Brahma utilizando o endosso de Zeca Pagodinho, com início polêmico pela troca da Nova Schin pela Brahma sendo representada na campanha “Amor de Verão”, na qual o músico confessa uma “aventura passageira” com outra marca, mas declara o seu amor verdadeiro à Brahma.
Convenhamos que o perfil de Zeca Pagodinho, reconhecido pelo grande público como músico boêmio, é perfeito para o endosso de cervejas. Esta foi a principal razão da disputa de sua imagem pelas duas cervejarias, que ganharam as páginas de diversos veículos de comunicação na época.
Apoio sim, endoserment não
Para saber se a relação é realmente de endosso, é necessário investigar se existiu transferência de significado daquilo que representa a marca para os músicos que sonham ser grandes artistas — visto que um nome consagrado tem uma gama de significados já cristalizada na mente do grande público, seu perfil, que não sofrerá influência da marca. E o grande jurado é o consumidor.
O mais correto seria chamar de músico ‘apoiado’ ou ‘patrocinado’, pois é quase nula a possibilidade de haver transferência de significado da marca para o ‘aspirante a artista’ e deste para o consumidor.
Mas, atenção, é possível ter relação de endosso quando um músico consagrado participa dos shows ou grava um fonograma com o artista aspirante, por exemplo. Nesses casos, o músico pode, efetivamente, ser chamado de endorsee, pois para o público do artista consagrado existiu a transferência de significado para o trabalho do aspirante.
Concluindo...
São poucas as empresas no setor que investem em campanhas capazes de criar o envolvimento artista/produto/consumidor, em que há efetivamente uma transferência de significados, como lançamentos de ‘séries assinadas’, entre outras. Por isso, seria mais adequado ser utilizado (como é adotado por algumas marcas internacionais do nosso segmento) o termo ‘cast de artistas’ para designar os ‘artistas patrocinados’ ou ‘apoiados’, visto que são raros os casos efetivos de endosso em nosso mercado.
"O artista empresta sua imagem ao produto e o consumidor compreende que o produto está imbuído dos valores do músico, valores estes que ele também ‘compra’ ao adquirir o produto”
Tudo está relacionado aos diversos níveis de envolvimento com determinado produto ou serviço: de maneira explícita (eu endosso este produto), de maneira implícita (eu uso este produto), de maneira imperativa (você deve usar este produto) e de modo presencial (onde o músico/celebridade é visto com o produto). Todos esses tipos de envolvimento geram resultados distintos na mente do consumidor.
Endorsers de peso:
- B.B. King – Gibson
- Eric Clapton – Fender
- Bob Dylan – Hohner
- John Bonham – Ludwig
- Elton John – Yamaha
- Gene Simmons – Cort
Typecasting
Typecasting, na linguagem cinematográfica, se refere à escolha do cast de artistas levando em consideração um grupo de características em especial. Por exemplo, um ator será selecionado para um papel. O grupo responsável pela seleção do casting de artistas busca identificar aspectos marcantes da personalidade e no visual daquele intérprete para encontrar alguém mais adequado ao papel.
Sugestões de leitura
Cultura e consumo, de Grant McCracken. Editora Mauad, 208 páginas
Palavras-chave: Music Business, Carreira Artística, Gestão Musical
* Miguel De Laet é bacharel em música e especialista em publicidade pela Universidade de São Paulo (ECA/USP). Trabalha há mais de 20 anos com inteligência de mercado, pesquisa e desenvolvimento de produtos na indústria musical. É colunista da revista Música & Mercado, luthier e consultor de empresas do setor musical, tanto no Brasil como no exterior. Dos trabalhos desenvolvidos em sua carreira, podemos destacar a sua função em sala de aula como professor do primeiro curso de pós-graduação em Music Business do país na Universidade Anhembi Morumbi, formando profissionais de destaque no segmento; o trabalho como editor da revista Violão PRO; e sua atuação como gestor de projeto, auxiliando na elaboração do Plano de Internacionalização Setorial em um trabalho conjunto com a Anafima (Associação Nacional da Indústria Musical) e Apex-Brasil.

RESUMO: Este artigo, fragmento atualizado do meu trabalho de conclusão de curso em Gestão Empresarial na FATEC-SCS “Antonio Russo”, busca apresentar fatos históricos importantes para o desenvolvimento da luteria e da indústria de instrumentos musicais no Brasil, assim como dados econômicos e dos seus principais personagens, levando em consideração os impactos do período da pandemia. Uma reflexão baseada nos trabalhos de Mitsuru Yanaze e Grant McCracken auxiliam na compreensão de como os produtos da indústria criativa podem se tornar economicamente viáveis. INTRODUÇÃO Luteria é um termo que se refere à palavra luth , de origem francesa, que significa alaúde, um instrumento de cordas muito popular durante a Idade Média. Assim, luthier era o artesão que construía alaúdes. Com o passar dos anos – e a evolução dos instrumentos - houve o declínio pela procura do alaúde, e os luthiers passaram a construir outros instrumentos musicais, como as vihuelas , os violões, os violinos, e, mais recentemente, os instrumentos elétricos como guitarras, baixos e até mesmo violinos elétricos. O termo luteria, apesar da praticamente extinção do alaúde, resistiu e começou a designar – de forma genérica - a arte de produzir instrumentos musicais, em especial os instrumentos de corda feitos em madeira. Não raramente o termo também é utilizado, de forma imprecisa, para designar também reparadores de instrumentos musicais, o que estende o seu uso coloquial - que também utiliza "luthieria" como variante do termo formal "luteria" - para designar todo profissional que trabalha na fabricação ou reparação de instrumentos musicais de cordas. A história da fabricação de instrumentos musicais em território brasileiro, caso sejam considerados os instrumentos de rituais indígenas, remete a tempos imemoriais, como pode ser constatado nos relatos sobre a Trombeta Jurupari. Além disso, existem registros de instrumentos musicais utilizados na evangelização dos índios nos primeiros anos de colonização sendo produzidos com o intuito de replicar os instrumentos europeus, originando a viola branca e a rabeca, por exemplo. A tradição de produzir os referidos instrumentos continua em manifestações folclóricas como o fandango caiçara. No entanto, quando se trata da atividade econômica, é forçoso dizer que a luteria brasileira iniciou no final do século XIX, em especial com os imigrantes italianos que desembarcavam no país, onde a “progressiva abolição da escravatura, antes mesmo de se consumar, com a lei Áurea, em 1888, criava a necessidade de braços para o trabalho, em especial na lavoura” (WERNECK, 2008). Num primeiro momento, estes imigrantes ocuparam a região sul do país e, logo em seguida, começaram a povoar a região paulista, cuja economia vivia um momento de expansão devido a agricultura do interior que vivia um grande momento com a produção do café, bem como o processo de industrialização da capital que estava em ritmo acelerado, o que justifica o apelido que, futuramente, receberia de “locomotiva do país”. Werneck informa que em 1900, mesmo ano de fundação da reconhecida fábrica de instrumentos musicais Giannini em São Paulo, o número de italianos residentes no Estado era calculado em 800 mil. Um dado apresentado pelo referido autor nos ajuda a dimensionar a contribuição da mão de obra imigrante no início do século XX: em 1901, 90% dos empregados nas fábricas da capital paulista eram italianos. Sendo assim, a indústria brasileira de instrumentos musicais surgiu neste momento promissor. Tranquillo Giannini, nascido em 1876, chegou ao Brasil em 1890. Não se pode afirmar se, ainda adolescente, já se havia iniciado no ramo da luteria. O que se conta é que era dotado de grande habilidade no trato com a madeira, sendo capaz de fabricar tanto móveis como peças mais complexas, carros alegóricos, por exemplo. Um dia lhe apareceu um músico pedindo que consertasse o seu violão. ´Se eu fizer um violão vai ser melhor do que este´, gabou-se Tranquillo. ´Pois eu duvido!´, rebateu o outro. O desafio, há quem diga, é que teria precipitado o jovem imigrante em seu ofício de luthier. Pôs-se a fazer violões cada vez mais elogiados, até que a demanda crescente o levou a criar, em 1900, a fábrica de instrumentos de corda que tem seu sobrenome e que, mais de um século depois, segue em atividade. (WERNECK, 2008)